quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Bruxas Eróticas - Denise Severgnini

Vassouras na mão
À espera do amado
O aspirador do lado
Pode ele entalar
E ela ter que puxar
Ele chega atrevido
Coloca a boca no umbigo
A vassoura cai
A razão se vai
O aspirador funciona
É uma boca louca
Que suga a seiva
E o mago anti-herói
Corrói a bruxa
Que se estica e puxa
E numa ânsia insana
Leva-o à cama
Travando uma luta fatal
Que não há feitiço que apague
O fogo natural
Dos mágicos no ato carnal

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Coração - Caio Fernando Abreu

Na terra do coração passei o dia pensando 
- coração meu, meu coração. 
Pensei e pensei tanto que deixou de significar 
uma forma, um órgão, uma coisa. 
Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido 
- ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. 
Quis vê-lo, escapava. 
Batia e rebatia, escondido no peito. 
Então fechei os olhos, viajei. 
E como quem gira um caleidoscópio, vi:
Meu coração é um sapo rajado, 
viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz 
de transformá-lo em príncipe.
Meu coração é um álbum de retratos tão antigos 
que suas faces mal se adivinham. 
Roídas de traça, amareladas de tempo, 
faces desfeitas, imóveis, cristalizadas 
em poses rígidas para o fotógrafo invisível. 
Este apertava os olhos quando sorria. 
Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. 
Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.
Meu coração é um mendigo mais faminto 
da rua mais miserável.
Meu coração é um ideograma desenhado a tinta
lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. 
Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, 
a Inocência. 
Mas tão manchado que talvez seja Ming I, 
o Obscurecimento da Luz. 
Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.
Meu coração não tem forma, apenas som. 
Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que 
Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, 
desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. 
Couro negro, prego e piano.
Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e 
virgens loucas de todos os sexos.
Meu coração é um traço seco. 
Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, 
gravado em fundo preto. 
Puro artifício, definitivo.
Meu coração é um entardecer de verão, 
numa cidadezinha à beira-mar. 
A brisa sopra, saiu a primeira estrela. 
Há moças na janela, rapazes pela praça,
tules violetas sobre os montes onde o sol se pôs. 
A lua cheia brotou do mar. 
Os apaixonados suspiram. 
E se apaixonam ainda mais.
Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.
Meu coração é um bar de uma única mesa, 
debruçado sobre a qual um único bêbado 
bebe um único copo de bourbon, 
contemplado por um único garçom. 
Ao fundo, Tom Waits geme um 
único verso arranhado. 
Rouco, louco.
Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, 
é saboroso de todos os sabores. 
Quem dele provar, será feliz para sempre.
Meu coração é uma sala inglesa com paredes 
cobertas por papel de florzinhas miúdas. 
Lareira acesa, poltronas fundas, macias, 
quadros com gramados verdes 
e casas pacíficas cobertas de hera. 
Sobre a renda branca da toalha de mesa, 
o chá repousa em porcelana da China. 
No livro aberto ao lado, 
alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: 
"Im too pure for you or anyone". 
Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.
Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela 
e vaia a história cheia de clichês.
Meu coração é um deserto nuclear 
varrido por ventos radiativos.
Meu coração é um cálice de cristal puríssimo 
transbordante de licor de strega. 
Flambado, dourado. 
Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, 
ver rostos e paisagens dançando 
nessa chama azul de ouro.
Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins 
monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.
Meu coração é uma planta carnívora morta de fome.
Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, 
coberta de preto, cantando um fado lento 
e cheia de gemidos 
- ai de mim! ai, ai de mim!
Meu coração é um poço de mel, 
no centro de um jardim encantado, 
alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, 
transformam-se magicamente 
em cavalos brancos alados 
que voam para longe, em direção à estrela Veja. 
Levam junto quem me ama, me levam junto também.
Faquir involuntário, cascata de champanha, 
púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, 
verso de Mário Quintana, vitrina vazia, 
navalha afiada, figo maduro, papel crepom, 
cão uivando pra lua, ruína, 
simulacro, varinha de incenso. 
Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração teu.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sem Cabeça Para Pensar - Carlos Drummond de Andrade

Moça, eu te vi... 
Linda em seu sobretudo negro... 
Em suas botas sensuais... 
O que se passa na cama 
(O que se passa na cama 
é segredo de quem ama.) 
É segredo de quem ama 
não conhecer pela rama 
gozo que seja profundo, 
elaborado na terra 
e tão fora deste mundo que o corpo, 
encontrando o corpo e por ele navegando, 
atinge a paz de outro horto, 
noutro mundo: paz de morto, nirvana, 
sono do pênis. 
Ai, cama canção de cuna, 
dorme, menina, nanana, 
dorme onça suçuarana, 
dorme cândida vagina, 
dorme a última sirena 
ou a penúltima… 
O pênis dorme, 
puma, americana fera exausta. 
Dorme, 
fulva grinalda de tua vulva. 
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.