Há realidades difíceis de suportar.
Há situações tão dolorosas e tão irreais,
embora cruelmente reais,
que certas pessoas preferem negá-las,
como se com isso pudessem apagar sua existência.
E para fugir desses punhais
que rasgam a alma com tanta violência
é que muitos preferem se refugiar
num mundo invisível,
sob uma redoma de proteção
que as impedem de ver de perto
e enfrentar o que tanto faz mal.
Essas pessoas, ao querer libertar-se de um peso,
tornam-se escravas da própria dor.
Sem justificativas,
justificam-se na recusa da cura,
que é o encarar a realidade
e vê-la de maneira nova e diferente.
Essas pessoas, julgadas doentes,
loucas e insanas são apenas
uma pequena porcentagem
de um mundo onde negar a realidade
é a coisa mais banal que existe.
Viver no mundo da mentira não é apenas
ter um comportamento exclusivo
dos que julgamos loucos.
Vive na mentira quem
não aceita o fim de qualquer situação:
amores que se desgastaram,
filhos que cresceram,
uma doença que chegou sem avisar,
alguém que foi embora,
escolhas que não aprovamos
e todas essas pequeninas coisas do dia-a-dia que,
pequenas, fazem parte da nossa vida.
Chorar e ficar calado num canto
não muda nada do que vivemos,
a não ser nos deixar à parte da vida
que continua a correr do lado de fora.
Fazer-se de cego e surdo não modifica
a realidade do que não podemos controlar,
nem o que os outros pensam e sentem.
Poderemos evitar os espelhos por algum tempo,
mas não os evitaremos a vida toda.
Melhor que ignorar a realidade que nos machuca
é pegar o que sobra dela
e construir um novo mundo
ou uma nova maneira de viver.
Se a chuva nos pega de surpresa,
que então nos molhe completamente,
que o sol nos seque,
que o frio não nos impeça de sair de casa,
que o calor não nos impeça de dormir,